faz um tempo que eu me acostumei com a ideia que minha família sou eu e a bea. sabe, com quem você pode contar para absolutamente tudo?
só que não é assim.
eu sou um ser turrão. orgulhosa. que finge que não sente para fazer de conta que a dor não existe. que não relembra para evitar a saudade. que briga para ter motivo para justificar afastamentos. que inventa na cabeça motivo para lonjuras.
sem bancar a coitada, convenhamos que já perdi demais (vocês também). mãe, pai, irmã, entre outros, e eu afasto a saudade a maior parte do tempo porque ela me sufocaria se eu permitisse. ficaria mergulhada nela e não existiria. o que existiria de mim seria só saudade.
daí criei nos últimos anos um mecanismo bem burro, mas eficaz.
porque a gente não perde as pessoas só na morte. separações de casais, afastamentos de amigos, família que a gente fica distante, tudo isso, são saudades que vão crescendo aqui dentro.
e sabe, a culpa é minha. sou tão cuzona que me imponho distâncias para não sofrer.
me imponho distâncias quando as outras pessoas não demonstram amor da mesma maneira que eu, tipo, como meus irmãos.
eu os amo. tenho vontade de grudar neles, em cada um. eles são meus heróis. queria jantares semanais, cafés diários, conversas telefônicas longas.
mas as pessoas são diferentes e sentem diferente.
eu quero voltar no tempo. quero almoços de domingo com a família completa, a parte viva completa, tios, tias, irmãos, vó, primos, primas.
não dá, eu sei. a vida tomou outro rumo. as brigas apartaram. as separações... separaram. as pessoas fizeram outras escolhas, e por mais que eu deteste, elas tinham todo o direito do mundo!
e eu odeio eles por isso também. como uma criança mimada, eu me revolto com o fato de que as pessoas foram viver suas vidas. de que tem gente nova nas histórias. eu gosto das gentes novas. mas eu não gosto de mudança.
quando o tio foi embora semana passada, naquele jipe cheio de coisas, construir a vida dele em outro lugar, eu chorei. egoísta, achei que todo mundo fosse ficar aqui sempre. quando o outro tio diz que vai embora, meu coração fica minúsculo. é egoísmo também, eu sei. quando a tia namora um cara que eu não sou fã, eu sofro também. como uma criança mimada.
eu posso contar com a minha família. toda ela. com o thiago que vive me socorrendo como se fosse ele o irmão mais velho, com o matheus que vive pendurando no telefone contando todas as suas coisas e ouvindo as minhas, com o silêncio presente do henrique, com o saulo que foi ficando e que nem dá pra lembrar que um dia ele não esteve, com as minhas avós, sempre fortes e resmungonas, com a minha tia que mesmo puta comigo não me deixaria na mão, com meus tios que sempre substituíram meu pai, cada um fazendo um pouco, até o tio cá que pendurava no boteco um lanche depois da natação, mesmo sem ter dinheiro, para que eu não ficasse sem comer.
o abraço apertado da tia tó que levou uma eternidade ontem e que podia ter levado outra, porque eu queria mais! meus primos, duas criaturas tão fofas, decentes, amorosas. minha prima que eu devo tanto, nossa, e ainda assim me trata com tanto carinho. e eu só cansei de continuar blasé, fazendo de conta que essa não é outra saudade que me sufoca. me sufoca! criança mimada.
a minha família é tudo isso. com tudo isso eu posso contar, mesmo quando eles brigam entre eles, mesmo quando eu brigo com eles, mesmo quando, como agora, parece que não vai juntar nunca mais.
o que eu entendi ontem é que junta de novo sim. nem as lonjuras separam. nem as brigas.
e eu prometo que não vou mais me fazer de durona. com ninguém
a vida segue em frente, tal como um rio, não dá para parar, nem na parte boa do rio, quando o rio é bonito, e por sorte, nem na parte ruim, na curva de rio, com todos os cacarecos enroscados... tamo junto, fluindo por aí...
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