quinta-feira, 12 de novembro de 2015

mixtape

Um curtinha da Bea:

[Mixtape]

Bea Sena
  
               
            - A parte mais difícil de escrever uma história é definitivamente o começo. – Fernando disse, apoiando-se no balcão de madeira da loja. Madalena soprou uma mecha de cabelo que insistia em cair sobre seus olhos, lançando-lhe um olhar que não disfarçava o julgamento.
            - No seu caso a parte mais difícil de escrever uma história é que você não escreve. – falou, ainda sentada no chão em frente a prateleira de CDs cuidadosamente intitulada “Rock Melódico dos anos 80”. – Você é bom com música, mas sobre o que você escreveria? Você não faz nada. – concluiu levantando-se e colocando uma pilha de CDs diante do rapaz. Fernando arqueou uma sobrancelha.
            - Você fala demais. – resmungou.
            - É sério. – Madalena insistiu. – Você é um cara de vinte e dois anos com a rotina de um de cinquenta, você levanta, toma um café preto, percebe que está atrasado apesar de ser óbvio, vem para cá, faz o que você sabe fazer e então... Vai pra casa. E só.
            - Não é .
            - Ficar em casa encarando a tela do computador esperando por alguma ideia brilhante não é bem o que chamo de aventura. – ela rebateu. Fernando lançou-lhe um olhar de desgosto.
            - São quarenta e dois e noventa e sete.
            - E eventualmente tem uma mixtape na sua porta e você nem tenta descobrir de onde vieram! – ela continuou, lhe passando o cartão do banco.
            - A música é boa, por que eu iria estragar isso com a pessoa que colocou elas lá? Débito ou crédito?
            - Débito. Você nunca vai escrever nada decente se não souber porcaria nenhuma sobre a vida. E não quero estragar, mas você só vai aprender vivendo.
            - Como uma garota de dezesseis anos que gasta a mesada inteira se enfiando em uma loja de CDs toda quarta virou minha guru espiritual? – Fernando ironizou enquanto a garota digitava a senha do cartão. Madalena bufou,  lançando-lhe um olhar cansado.
            - É exatamente o que estou tentando dizer. Sua vida é deprimente. E eu não venho toda quarta.
            - Vem sim. Eu sei porque eu estou aqui todo dia. – ele reclamou, vendo a garota mostrar-lhe a língua infantilmente e acenar, saindo da loja. Fernando olhou ao redor, analisando as várias prateleiras brancas repletas de CDs e LPs cuidadosamente separados nos subtipos mais minuciosos de música, cobrirem as paredes pretas. A loja era pequena, bonita e logo fadada à morte, afinal o mundo havia mudado. Mas o rapaz não tinha coragem de contar aquilo ao dono da loja – seu tio – por vários motivos. O primeiro era que seu tio era velho e alimentava um amor sincero por aquela loja, e as camadas de pó que insistiam em se formar nas prateleiras não mais permitiam a presença de seu apaixonado dono e sua rinite. O segundo motivo era que Madalena tinha razão.
            Vinte e dois anos e nenhuma história para contar. Nenhuma namorada que houvesse destruído sua vida, nenhum cachorro que comera seu vídeo game favorito, nem sequer histórias de faculdade – ele havia largado o curso de administração rápido demais para isso. Apenas um tio excêntrico, sua loja de CDs e LPs e uma história cujo começo era mudado toda noite.
*
            Saiu do elevador com as chaves na mão e a sacola do supermercado em outra, a garrafa de vinho em evidência como se tentasse denunciá-lo. Estava já com o pé na metade do caminho quando notou um pequeno volume no tapete, quase caindo ao jogar o pé na outra direção para não pisar na fita.
            Colocou a sacola no chão, levantando o tapete e encontrando a esperada mixtape, reinando entre as camadas de pó.
            - Eu deveria varrer essa porcaria. – o rapaz falou pegando a fita. Ele falava aquilo toda semana.
            Entrou na casa tropeçando na correspondência escorregada para o hall de entrada por debaixo da porta, suspirando ao reparar que a maior parte dela era para a vizinha do apartamento ao lado, cuja correspondência ia para o apartamento vizinho quase sempre desde que se mudara. Fernando saiu rapidamente e empurrou a correspondência por debaixo da porta da moça, se perguntando vagamente como poderia nunca ter prestado atenção nela à ponto de não conseguir se lembrar de seu rosto.
            Colocou a mixtape para tocar no rádio da sala, um aparelho que até ele assumia ser uma velharia com os dias contados. A fita começou a tocar enquanto ele organizava as compras na cozinha, e ele imediatamente sorriu ao reconhecer Angie, dos Rolling Stones. Acompanhou a música entretido, se assustando ao vê-la se repetir. Caminhou até o rádio e retirou a fita, verificando a parte de trás, onde geralmente a pessoa que as enviava colocava a lista das canções. E ali estava Angie, solitária.
            Fernando franziu as sobrancelhas, brincando com a fita na mão. Não entendia o objetivo de enviar uma fita com só uma música. Mas também não entendia porque enviar fitas com músicas à um estranho.
            Foi até seu quarto, indo diretamente até seu criado-mudo, onde as três primeiras fitas aguardavam. A primeira era de um mês antes, e a capa tinha sido pintada de vermelho. A curta lista de músicas brilhava em uma tinta branca com glitter:
Please Please Me, The Beatles
O Tempo Não Para, Cazuza
R U Mine, Arctic Monkeys
A segunda, de duas semanas antes, parecia ter sido feita às pressas. A capa não havia sido pintada, e exibia o nome da marca da fita assim como exibia a lista feita com caligrafia apressada em uma caneta azul comum:
Friday I’m In Love, The Cure
Asleep, The Smiths
Valerie, Amy Winehouse
Open Arms, Journey
Roxanne, The Police
E finalmente a terceira, pintada de preto, voltava a ter o mesmo cuidado da primeira. A lista novamente brilhava devido à caneta com glitter, dessa vez vermelha:
A Team, Ed Sheeran
Boys Don’t Cry, The Cure
Radioactive, Imagine Dragons
A Certain Romance, Arctic Monkeys
            Fernando continuou encarando as fitas em suas mãos, confuso. Sentia como se algo devesse estar óbvio e sua mente perturbada se recusasse a enxergar a resposta. Continuava jogando-as de uma mão para outro como se seus dedos pudessem compreender melhor que seus olhos. Então finalmente percebeu. Please Please Me, O Tempo Não Para, R U Mine. P, O, R. E Friday I’m In Love, Asleep, Valerie, Open Arms, Roxanne. F, A, V, O, R. “Por favor”. As fitas estavam formando uma mensagem.
            “Por favor abra a...”
            - Mas que m... – murmurou sozinho, deixando as fitas caírem no chão.

*
            - Você acaba de me deixar interessada pela sua vida. Estou chocada.
            - Cale a boca, Madalena. – Fernando resmungou, reorganizando a sessão “Origens do Samba”.
            - Só falta uma palavra... – ela murmurou  ignorando-o, pensativa. Arqueou uma sobrancelha. – Já faz uma semana que descobriu isso? Como é possível que não esteja surtando com isso?
            - Calmantes. – ele falou com simplicidade, olhando-a seriamente. Madalena fez uma careta.
            - Eu nunca sei quando você está falando sério ou brincando, mas quer saber? Eu não vou perguntar.
        - A última palavra não interessa até eu saber de onde a fita vem, isso é maluquice. – Fernando falou. – Tem que ser um dos meus vizinhos.
            - Poderia ser qualquer um do prédio.
            - Qualquer um do prédio é meu vizinho.
            - Você é muito rude, cara. – a garota reclamou, soprando uma mecha do cabelo. Foi até o balcão e pegou uma caneta e um bloco de notas. – Eu vou deixar meu número, porque quando essa fita aparecer, eu quero ser avisada.
            - E por que eu faria isso?
            - Porque se eu nunca mais dormir na vida você vai se sentir culpado.
            - Eu não acho. – ele falou indo até ela. Madalena franziu o nariz.
            - Apenas ligue. – disse. – Ou eu nunca mais compro nada.
            E foi embora. Fernando não pode deixar de rir da garota, nem de si mesmo quando pegou o número e o guardou no bolso. As horas pareceram se arrastar até ele poder ir para casa, mas, com o passar do tempo, aquilo ia se tornando rotina. Não havia nenhum outro jeito extremamente metódico de arrumar aquela loja. Seu único hobbie estava morrendo.
            Só percebeu que seu coração estava acelerado ao entrar no elevador, notando que esperava encontrar a fita mais uma vez. Sempre havia uma fita quando ele via Madalena, porque ele sempre via Madalena no mesmo dia da semana. Saiu do elevador afobado, quase não acreditando quando viu a elevação no tapete. A mixtape realmente estava ali.
            Pegou a fita, se segurando para não checar a lista de músicas antes de qualquer coisa. Gostava da surpresa ao escutar a música e, apesar do mistério, devia manter alguma parte de sua dignidade viva. Colocou a fita no bolso e abriu a porta, se deparando com uma carta no chão, o nome Luísa em destaque no papel. Pegou a carta e fez o mesmo ritual de sempre, logo entrando na própria casa e colocando a fita no rádio, ansioso.
            E Patience do Guns N’ Roses começou a tocar, parecendo encher a sala. Fernando ligou o computador, repentinamente certo de que podia escrever o começo da história pela última vez aquela noite. Se distraiu tanto que não notou as músicas passarem e, quando se levantou para pegar uma xícara de café ao som de A Hard Day’s Night dos Beatles, a fita acabou. Sentiu seu coração falhar uma batida e parou abruptamente na porta da cozinha. Pareceu levar horas para girar em seus calcanhares e tirar a fita do rádio, lendo a lista cuidadosamente escrita com uma caneta preta no papel bege:
Patience, Guns N’ Roses
Our Day Will Come, Amy Winehouse
Rainy Days and Mondays, The Carpenters
Toxicity, System Of A Down
A Hard Day’s Night, The Beatles
Porta. “Por favor, abra a porta”. Fernando encarou a fita, boquiaberto, e olhou por cima do ombro para a porta de entrada.
Respirou fundo e caminhou até a porta, vendo sua mão trêmula segurar a maçaneta. Abriu a porta, sentindo todo o ar ser roubado de seu pulmão ao ver sua vizinha parada sobre o tapete com um meio sorriso no rosto. Ela desviou o olhar, tirando uma mecha do cabelo negro curto da frente do olho cor de mel. Estendeu-lhe uma carta:
- Me entregaram sua correspondência.




sábado, 17 de outubro de 2015

frescura é o teu cu

minha avó, outro dia:
"quando vc perdeu sua mãe, vc ficou mal, mas vc ficou bem. mas quando vc perdeu seu pai, vc chegou no fundo do poço".
foi quase isso. pq o fundo do poço veio depois.
sabe aquela frase clichê que vive circulando pelas redes sociais?
péra, bateu uma ausência agora. e esqueci a frase.
o nome disso é efeito colateral.
já volto nessa parte.
eu perdi um monte de gente. uma irmã, um pai, uma mãe, um filho, dois avôs, um amigo. me perdoem se eu estiver  esquecendo alguém. mas com quase 40, a gente começa a não lembrar mesmo de todo mundo que já morreu. e no meu caso, parei de usar tbm eufemismos. partiu, se foi. não. morreu é a palavra. não existe nenhuma delicadeza nisso, nem faleceu me serve mais.
tbm me vitimizei um monte. tentem entender um pouco. quando a maioria esmagadora das pessoas ao redor tem todo o núcleo bonitinho, e vc é a única que sobrou do seu inicial (pq tive outro depois), não dá pra ser assim tão superior. "pq, Deeeeeuuuus, justo comigo?" é uma pergunta muito comum.
vamos voltar à colocação da avó.
meu pai se suicidou lentamente. depressão, ao que parece, é uma coisa genética. ele tinha insônia, minha avó insônia e depressão, eu idem (como vcs estão exaustos de saber). não sei sobre minha bisavó, mãe dessa minha avó da qual herdei todas as manias, mas sei que ela trepava muito (como escrevi antes, estou sem paciência para delicadezas). pq na minha cabeça, só se faz 8 filhos, quiçá mais, trepando pra cacete.
quantas digressões. meu foco hj parece pior que nunca.
enfim, fiquei pior com a morte do meu pai do que com a morte da minha mãe por dois motivos: 1) a do meu pai foi escolha e 2) a gente sempre teve uma relação não-relação complicadíssima.
a morte dele eu entendi como desamor. eu já tinha entendido, depois de uma filha de 8 anos na época, que pai e mãe não tem que ser super heróis. mas dado todo o nosso histórico, eu me senti um grande cocô, o grande monte de merda, nome carinhoso pelo qual minha outra avó passou a infância me chamando. eu não era boa o suficiente para ele querer ficar vivo por mim. o grande umbigo aqui demorou a entender que o problema era dele com ele, não comigo. tem dores que são grandes demais e suportá-las exige muita coragem e força. ele não teve.
desenvolvi depressão, pânico, ansiedade, dependência de substâncias químicas. e enquanto isso, fazia de conta que tudo corria bem. eu destroçava cada pedaço de mim: minha aparência, meu corpo, meu relacionamento com as pessoas que amava, meu trabalho, minha cabeça. bebia para me divertir, misturava com psicotrópicos, fazia merda, sentia ressaca moral e depois repetia todo o processo.
fiz terapia, fui à cartomante, caí no samba, beijei muito.
e desde então tenho vivido ciclos.
me recuperei. piorei de novo. melhorei, piorei, melhorei, piorei... e toda vez que melhoro, acho que vai ser a vez definitiva.
ano passado, comecei a ficar ruim de novo, depois de dois anos relativamente bem. digo relativamente pq passar dois anos sem fazer sexo não os torna exatamente excelentes. como diz aquele comercial da clínica pra homens, sexo é vida.
bem, ano passado. primeiro a insônia voltou. depois, aquela força diária para levantar da cama. vc pode achar que "ah, puta frescura, todo mundo tem dificuldade de levantar principalmente se for muito cedo". mas não é isso. é quase incapacitante. é medo do dia. é dor. é pânico de alguma merda vá dar novamente errado e não, vc não qr levantar para ver isso acontecer.
insônia, dificuldade em levantar. descontrole emocional. ah, os gritos, as brigas exageradas por motivos pequenos, vc sabe a vergonha que é lidar com isso depois que passa?
dificuldade de sorrir. falta de vontade de ver as pessoas. de sair de casa.
eu vi que, se quisesse sobreviver aos dois cargos, precisaria de novo de um psiquiatra. e pela primeira vez, antes que a coisa chegasse ao limite e eu fosse parar de novo num p.s. psiquiátrico, busquei ajuda.
queria um milagre, confesso. lembrei dos primeiros tempos de fluoxetina em que ela, sozinha, conseguia me fazer dormir e levantar cantando no dia seguinte. de quando tomei escitalopram e ele não fodeu com o meu cérebro, e imovane e ele me fazia dormir sem perder as energias no dia seguinte. até mesmo o amado e odiado rivotril eu desejei, pra esquecer abençoadamente por algumas horas o resto do mundo.
não aconteceu nada disso. aconteceu um psiquiatra que me atendia por 10 minutos, que nunca soube nada da minha vida e apenas me medicou. e cada vez que eu voltava dizendo que não estava funcionando, ele aumentava a dose ou trocava por uma medicação mais cara. em média, R$600,00 mensais só com remédios contra a depressão e insônia.
eu piorei. dormia, mas dormia bêbada de remédios, falando besteiras para os outros pelo celular. acordava todo dia rezando para não ter tocado no telefone ou no computador. levantava, mas só eu sei o esforço que isso custava. era uma sucessão sem fim de "vc precisa levantar, taís", que invariavelmente resultava em atraso. não levantei muitas vezes. tenho 18 faltas completas no trabalho por causa disso e algumas faltas-hora.
parei de falar com as pessoas. sorria no trabalho, mas eu sabia que eram sorrisos forçados, e eu me esforçava pq gosto de pessoas. todos os dias, a caminho da escola, ia ouvindo "tá escrito" no celular. sabe, a música brega? "erga a sua cabeça, meta o pé e vai na fé/ mande essa tristeza embora/ pode acreditar, um novo dia vai raiar/ sua hora vai chegar".
a porra do novo dia não raiava nunca.
parei de sair aos finais de semana, de ver a família. só queria ficar na minha cabeça, sem mexer um músculo do rosto.
vc acha que era questão de vontade? vai tomar bem no meio do olho do seu cu, seu/sua filh@ da put@. cansei desse papo de "é só querer".
fui parando de comer. perdi quase 15 quilos, e se por um lado foi bom pq eu estava com 100 quilos, eu sei que não foi saudável.
eu já falei das dores no corpo? eu tinha dor em tudo, há 6 anos. sim, começou em 2009, quando o evento conhecido como O Grande Pé Na Bunda aconteceu. eu já tinha recebido um diagnóstico de fibromialgia, mas as vezes a gente simplesmente não quer acreditar que tem uma coisa que não tem cura.
as dores esse ano pioraram. o trajeto, as horas em pé, as horas de trabalho e de trajeto foram me abatendo mais.
os remédios, cada vez piores.
os efeitos colaterais começaram a surgir. uma tremedeira frenética, que dificultava levar o garfo à boca. tonturas que me faziam esquecer quem eu era. ausência total e absoluta de criatividade, eu não conseguia escrever, não conseguia preparar aulas.
o pior dia foi o que me tranquei no banheiro da escola, com uma baita diarreia. eu queria deitar no chão e chorar, queria não sair de lá nunca mais, queria gritar socorro e implorar que alguém me ajudasse, que fizesse toda aquela dor parar.
mas a vida tem jeitos misteriosos de agir. num dia especialmente doloroso, minha assistente de direção da escola da manhã me levou à sala dela e orou por mim. não é a minha fé, mas ela insistia que a fé dela me curaria. eu, que achava que estava disfarçando bem, estava era disfarçando bem mal.
na mesma semana, cansadas de me ver morta-viva, minhas colegas de trabalho da tarde me arrastaram para um centro. era dia de tratamento médico, e a cética aqui passou por uma cirurgia espiritual. pq eu faria qualquer coisa, até tomar meu próprio mijo pra fazer aquilo passar.
ter gente olhando por mim sem me julgar me fortaleceu. um pouco. o suficiente para eu perceber que o psiquiatra não estava rolando e começar a procurar outros tratamentos.
fui num homeopata. a cética aqui, de novo, resolveu acreditar em bolinhas de açúcar. já que estava acreditando, ia acreditar que tudo é possível e pronto. mas não foi assim. o homeopata me receitou alguns químicos e me ajudou a tirar os psicotrópicos aos poucos.
fui na reumatologista e na proctologista. juntas, uma complementando o diagnóstico e os exames da outra, perceberam que eu estava mais carente do que apenas sexualmente (que era o que eu achava): intestino irritável levou a perda de vitaminas e cálcio, que levou às dores e à depressão, que levou de volta ao intestino irritável... um círculo. e círculos são infinitos, a serpente nunca pára de comer a própria cauda.
e os psiquiatras e psicólogos pelos quais passei nunca desconfiaram dessas coisas pq eu tinha, emocionalmente, todos os motivos do mundo para estar arrasada. no fundo do poço. cortando os pulsos, e isso não é força de expressão. vc já teve seu coração disparado o tempo todo? sabe o que é um angústia que além de esmagar seu peito faz sem estômago doer e, de novo, não são eufemismos?
eu estava assim o tempo todo.
daí, comecei a tomar vitamina d e cálcio e florais. comecei a meditar todos os dias. dentro da minha crença na vida e numa bondade cósmica, comecei a orar. o homeopata fez o impensável: me deu plantinhas para dormir e a receita de um tarjado para que eu sentisse segurança. confesso que a síndrome de abstinência foi de foder com a vida, mas até ela passou. a crise, não a vida.
faz quase 3 meses. tenho dias de mau humor, como todo ser humano normal e escroto. mas são poucos. durmo. levanto. vejo minha família. aos poucos, revejo os amigos. sorrio todos os dias e ouço qualquer música. até voltei a cantar e cozinhar e fazer exercícios físicos, ainda que comedidamente.
meu coração não dispara mais e nem meu peito está esmagado. meu estômago arriscou uma dor, mas foi infecção mesmo. passou.
hoje fui ao samba. fiquei com medo de dar para trás, não ir, mas fui. não sambei. ainda tenho medo. mas ouvi as músicas. e isso me fez feliz.
ontem fui à praia. entrei no mar e encarei as ondas, de tamanhos diversos, de frente e com coragem. caí, ralei o joelho, ri muito. desci a serra com o cu na mão, mas enfrentei  o medo. na estrada, caminho de volta, até consegui quase chegar ao limite de velocidade.
estou sóbria, de álcool, há dois meses. de remédios, acho que há uns 10 dias. e nesses dias, não fiz nenhuma besteira.
faz pouco tempo... mas a gente sempre acha que a última batalha vencida contra a depressão será a última.
torce aí. quem sabe é essa.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

e ele vem pra me dar mão

que nem criança, bem hoje.
manja criança contrariada? quando tiram o brinquedo, ou dizem não pro doce que ela tanto quer?
daí a criatura chora, chora, chora e... dorme. quando acorda, parece que nada aconteceu.

mas a birra continua as vezes, né?
a criatura tá brincando tranquilamente com o amiguinho, tudo em paz. só que ela quer mudar as regras do jogo e, quando o amigo não quer, toma a bola na melhor pegada de "a bola é minha e se não for do meu jeito, ninguém brinca".
ninguém brinca. ponto.

a criança vai e brinca sozinha. corre, pula, se estica, deita no chão fazendo anjo na neve (mas com os pelos das gatas, que isso aqui tá um negócio), canta, se esgoela, e chora de novo pq tá brincando sozinha.

volta no amiguinho e o amiguinho não quer saber mesmo de mudar a regra da brincadeira e pra falar a verdade, nem se importa mais com qualquer brincadeira que seja. "fica aí sozinha com a tua bola".

e a criatura chora, chora, chora... e dorme. quando acorda, percebe que não tem mais o amiguinho pra brincar.
mas criança esquece rápido, né não?

deve ser por isso que já sou uma pessoa grande.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

"embala eu, embala eu"

gosto da cor rosa. ainda que 99,99% da população considere brega.
tbm gosto muito de borboletas. ainda que 70% da população considere brega.
gosto de batons vermelhos e unhas vermelhas e cabelos raspados, ainda que 100% da população me considere louca.
amo bolos de massa folhada, desde que provei o primeiro, aos 6 anos.
ventiladores são meus xodós, guarda-chuvas tbm. coleciono-os feliz, de tipos e tamanhos variados.
acho uma delícia colocar a agulha no vinil e ouvir, antes da música, o barulho da poeira.
amo trabalhos manuais, que exijam muito dos meu braços taurinos.
amo tbm meu cérebro, que ainda que não entenda tudo, se acha capaz de solucionar qualquer problema.
gosto de gente que dá instruções inteiras, que não usa meias palavras.
gosto de gente que se permite sair das próprias ideias fixas a respeito de si e de outros.
amo o pai nosso e a ave maria. tbm curto meditação e velas e incensos e pontos de umbanda com uma boa batucada.
e meu divino espírito santo. "que o perdão seja sagrado/ que a fé seja infinita/ que o homem seja livre/ que a justiça sobreviva".
livros salvaram minha vida. e os gibis e revistas e jornais e todos os rótulos de embalagens que já passaram pelas minhas mãos.
amo os momentos de nada, de nem pensar. de bater papo cabeça, de bater papo bobo, de contar piada suja e de contar piada infame.
gosto de gente que gosta principalmente de gente. como a moça ucraniana do livro "nenhum homem é estrangeiro". ao ver uma criança sendo atacada pela klu klux klan, se intrometeu entre o menino e o tiro. questionada por um dos seus, do seu povo, sobre ter arriscado sua vida e a do seus filhos para salvar uma criança que nem é dali, responde que "nenhuma criança é estrangeira".
ontem eu ouvi de alguém sobre como o centro está "horrivelmente tomado por haitianos". ontem tbm fui questionada sobre o significado de fronteira, e o quanto isso está relacionado para mim a uma questão de barreira.
quando o mundo todo deveria ser de todo mundo.
gosto de tirar os sapatos. de escorregadores infláveis.
gosto da rebeca, que lá em macondo comia terra e gosto do florentino ariza, pra quem amor da alma é da cintura pra cima e amor do corpo é da cintura pra baixo.
e gosto muito da minha vó.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

eu dei-lhe a flor de minha vida, vivo agitado

mas é claro que não está bom. pq se vc toma dois valiuns e ainda assim não consegue dormir, as coisas vão mal. muito mal.
mal pq o sono é essencial. vc aí, que dorme feliz e facilmente todos os dias, pode até achar que é mimimi, e só por achar isso, quero que vc se foda.
eu ando buscando razões, pq me ensinaram que sempre tem razões, mas:
- não durmo até tarde. em verdade, acordo as 4:30
- trabalho para caralho. 12 hs por dia, contando deslocamento entre escolas. se considerar período fora de casa, são 14 hs intensas.
-não tenho nenhum problema novo. tenho os de sempre, e achava que tinha aprendido a lidar com eles.
eu sei que esse assunto é recorrente na minha vida. é que é ele, é foda. é minha falta de paz.
por enquanto são 3 semanas. que estão me exigindo muita determinação pra sair da cama, pra dar conta do trabalho, pra manter o bom humor, pra ser uma professora boa.
e mesmo assim, tem dia que tenho esperança. como hoje. pq cá estou eu, tontíssima de sono, mas incapaz de fazer o coração se acalmar o suficiente.
emagreci nas primeiras três semanas. hoje, agora, depois da meia noite,comi uma panela de arroz com feijão. antes tentei meditar e em outros momentos, tentei yoga e relaxamento.
fiz ginástica. musculação, dança.exaustei.
tirei elétricos e eletrônicos do quarto. o problema é que não dá pra me tirar do quarto.
sinto um desejo feroz por rivotril. tenho medo de ver alguém na rua com uma cartela ou vidrinho e atacar a pessoa, roubando dela um paraíso que é meu. resisto ao rivotril legalmente conseguido pq ele diminui minha capacidade intelectual.
tenho outros medos. já ouviram dizer que pessoas morrem por privação de sono? como, caralho, estou viva?
me sinto ingrata, claro. existem doenças piores que insônia. sim, doença. e ela me deixa louca.
ah sim, já tentei a maconha, mas só funciona comendo. e se você me conhece, sabe que não devo comer doces, muito menos a noite.
eu preciso dormir em paz, gente. desse jeito, não  tá dando.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

vontade de ter muita vontade

vejo esses dias todo mundo feliz.
assistindo os desfiles, desfilando, saindo em blocos, indo beber com os amigos, caindo na vida com estilo.
e lembro que já fui assim.
meu último bom carnaval, de sair, ir pra rua, curtir, acho que foi 2008. depois desse, fui deixando. esperando estar feliz, esperando emagrecer, esperando, esperando, esperando... até hoje, acho que espero alguma coisa pra cair na folia de novo.
eu sei que é a vontade que me falta. não sei o que faço pra recuperar a vontade, a disposição.
as vezes, acho que é a solidão que me impus.
essa mania de querer ficar sozinha, de aceitar poucos convites, poucas pessoas. de afastar os outros.
durante um tempão usei a falta de tempo, de energia, de saúde emocional como desculpa. mas agora, acho que só a saúde emocional é real.
pq eu me tornei uma pessoa muito da medrosa. muito desconfiada. preocupada em ser decepcionada e machucada. comecei a achar que reduzindo o círculo ao mínimo possível, as chances de me magoar são menores.
burrice.
pq as chances de me magoar sempre vão existir, ainda que matematicamente falando, meu pensamento esteja correto.
e não é esse medo que deve conduzir uma vida! estou fazendo tudo errado.
não me envolvo com ninguém há mais de 3 anos. isso, 3 anos sem sequer beijos. sem me apaixonar, sem me interessar, sem me sentir atraída. até arrisquei umas tentativas, mas na hora h, fugi, bem assustada.
o medo não é só de relacionamentos amorosos, é de amizades também. hoje em dia, confio em pouquíssimos, dá pra contar nos dedos de uma mão só. família também.fui reduzindo a proximidade até que a intimidade real só fosse compartilhada com poucos.
tudo pq eu tenho medo. e tenho medo pq, sinto muito se isso é dramático, tô machucada pra caralho.
como faz pra mudar tudo e voltar a ter vontade, paz e confiança nas pessoas?

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

We can beat them, just for one day

Desde novembro, o que vem dominando por aqui é a ansiedade.
Mas não é aquela ansiedade normal de todo dia. A bicha é bruta, malvada mesmo, do tipo que faz ver a batida do coração, que carrega o sono embora por dias, que angustia fechando a garganta.
Em nome dela, fiz e não fiz muita coisa. Fui impaciente, grossa, agitada, chorona, fechada. Não me diverti tanto quanto poderia, remoedora que sou. Passeei menos, amiguei e amei menos também.
As desculpas todas de trabalho: remoção, atribuição, chamada do concurso, escolha de cargo novo, exame médico de admissão, acúmulo de cargos e a lista pode bem ser infinita se eu insistir nela.
A despeito da ansiedade, tudo vinha dando certo, até hoje. Que deu errado e eu sabia que daria, mas fiquei ignorando de propósito o que sabia.
A primeira reação foi a de desesperar e chorar. Afoguei a mágoa, como de hábito, num pastel de catupiry com milho verde e um copo de suco de laranja, me enfiando em seguida na biblioteca atrás de livros para fugir da realidade.
Mas existem os amigos e o zapzap. E com saudade, fui abraçar duas queridas no metrô, que me levaram pra uma pizza com outra querida e Bea de lambuja. No meio de tanta conversa, de Cartagena, Bogotá, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraty, Mongaguá, fui desapegando da ansiedade e acalmando o coração.
De coração acalmado, lembrei que o sofrimento é grande demais por uma coisa que desejo tão pouco e com tantas ressalvas. Dinheiro é importante e posso dizer que depois de quase 10 anos na pindura, quiçá a vida toda, é muuuito importante. Ou no caso, urgente. Mas não é a coisa que mais importa pra mim. Nunca foi. Pra que regredir agora?
Sim, eu preciso e não desisti. Só que, talvez, o não ouvido hoje tenha sido uma chacoalhada boa pra lembrar eu mesma sobre quem eu sou, e que essa coisa que nem é tão importante assim, não merece todo o sofrimento que vem causando nos últimos meses. Não merece o sofrimento que eu mesma venho me causando nos últimos meses.
Eu sei que amanhã não vou acordar diferente de hoje, calma e equilibrada. Mas quando estiver caindo naquela roda-viva de angústia e ansiedade, vou me beliscar, respirar e lembrar que, se no fim não der tudo certo, a gente acha outra saída.

domingo, 18 de janeiro de 2015

nesse janeiro, só consigo dizer o óbvio:
mas que calor
mas que ansiedade
mas que preguiça

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

voltei correndo que ia ver tempestadas
(assim, no feminino, tanta beleza e fúria)
nada
monte de estrelas a vista

aleatoriedades

tava bom.
teve 7 ondas, depois mais duas.
conversei muito com o mar na segunda-feira e depois ontem, enquanto ouvia músicas.
teve we are young pq já fui e as vezes ainda sou e me dá uma puta sensação de euforia coletiva.
santa chuva que já passou por aqui e eu mesma que cuidei de secar.
para ver as meninas. silêncio, por favor, enquanto esqueço um pouco a dor no peito.
outro lugar que tá errado, tá errado me querer quando convém (e seu eu não tô enganado acho que você me ama também).
presente passado e a canção que faltava, mas agora é tarde e eu não sabia mais sonhar e preferia só ficar sozinha nessa estrada.
the scientist because i'm lovely.
fix you pq mesmo muito cansada não posso dormir (se bem que gi e fe derrubam até a insone mais resistente).
any way you want it/ lovin', tochin', squeezin'  cause he's lovin', he's touchin', he's squeezin' another.
heroes, linger, creep. falam com a minha alma, sei pq não.
heroes acho que por causa da cena linda da caminhonete no túnel em as vantagens de ser invisível (se você ainda não assistiu, assista) e por conhecer a felicidade de ouvir sem esperar uma música boa pra cacete. se bem que acho que a gente sempre esperança uma música boa pra cacete.
linger acho que para ouvir de mim do começo ao fim e acho que um monte mais de gente acha isso a seu próprio respeito também.
creep, puxa, além daquela guitarra tem aquele falsete do caralho daquele puto e i'm a creep i'm a weirdo.
do fundo do meu coração corroborou. cada vez que vi você chegar, me fazer sorrir e me deixar, decidido, eu disse: nunca mais. esse nunca mais é pra sempre. e como sou eu que estou falando, devo reforçar que esse pra sempre é pra sempre de verdade.
me dei conta do tamanho do amor que tava sentindo por tudo com nem cinco minutos guardados. as luzes querem me ofuscar. eu, só quero que me ceguem! foi tudo crescendo. o pôr do sol, o avanço da maré, a paz, o amor. 
pensei que fosse o céu e meus dias nunca mais serão iguais.
voltei para o apartamento acompanhada por espelho, e me pergunto se alguém que já perdeu pai e/ou mãe consegue ouvir sem chorar ou pelo menos se emocionar profundamente. chorei, pq eu troquei de mal com Deus por me levar minha mãe e lembrei disso.
daí chorei de novo.
ê vida boa
ê vida à toa
ê vida voa
comecei a fazer contas:
giovanni já vai fazer 5
meus irmãozinhos passaram dos 20
eu e moscas completamos esse ano a maioridade de nossa amizade
bea, quase 17. quase 17. quase 17 (tô repetindo pra ver se uma hora vai soar mais real)
faz 20 anos desde 1995. quase 20 anos até outubro e, porra, não passa. mas não impede a felicidade.
quase 20 anos. e falta lhe confesso que ainda hoje faz.
opa. esse não é um post triste e eu não estou triste.
acho mesmo que 2015 é o ano da reconciliação por aqui.

p.s.: eu realmente amo voltar para casa

domingo, 4 de janeiro de 2015