você sabe quando vai ter um daqueles dias.
começa na noite anterior. a insônia vem, mas não é do tipo apavorante. é do tipo me-aceita-que-dói-menos. pq o dia seguinte é desse tipo também.
daí ele chega. e como em tantas outras vezes, você deseja desligar a porra do despertador, cobrir a cabeça e fazer de conta que não existe.
mas você já tentou esse truque. e ele não funciona. o caralho da dor vai continuar ali, não importa se na cama com a cabeça coberta, ou se distraindo com aquela coisa idiota chamada trabalho.
com o tempo, você aprende a fazer o controle de danos. não enfia o dedo na ferida, mas também não trata o assunto como se ele não existisse. até conta uma coisa pra alguém aqui, relembra uma história lá. nada demais. nada que possa ser prolongado, nem esquecido.
você também aprende a não dar ouvidos. sempre vai ter aquele um que entende perfeitamente o que você está sentido, aquela outra que quer dar um passo-a-passo de como você deve agir, o porrinha louca que acha que o tempo cura, coitado, que engano, a vizinha que acha que é frescura. e daí você percebe uma coisa bacana: que, finalmente, não importa o que os outros sentem sobre o que você sente.
você volta pra casa. você nem queria muito, mas não tem outro lugar pra ir. olha o desenho pintado a dedo que ganhou de aniversário do seu afilhado, as fotos das suas amigas, a máscara para dormir que ganhou da sua prima, o mapa mundi cuidadosamente colado na parede pq um dia você vai ter coragem e dinheiro, o saquinho da concepção logo ali.
nada. você percebe que não tem mais nada de concreto. nenhuma foto, nenhuma peça de roupa, um rosário, um sapato, uma letra num caderno de receita.
irracionalmente, você briga com a sua filha por causa da leiteira com leite que ela esqueceu na geladeira. o cesto de lixo em cima do vaso sanitário, na verdade, mas é a mesma coisa e você sabe disso.
você deita e chora. chora por outros motivos, outras dores que também não são bobas. tem gente que acha que são, mas você não deve ligar pra isso pq, como já diria sua bisa, pimenta no cu dos outros é refresco. ela não dizia isso, mas ela dizia que se enfiar um no cu do outro não dá meio, ou que quanto mais a gente abaixa mais o rabo aparece, então acho possível que ela dissesse isso também. cobre a cabeça mas já não faz mais sentido, porque precisa buscar e ninguém encontra nada debaixo do cobertor.
você levanta de novo, e o choro é daquele que brota sem barulho, manja? é até gostoso, você já chorou gostoso? você entra no banheiro e sua filha diz que você está sorrindo um sorriso estranho.
no espelho você vê melhor. você recorda.
e depois disso, tudo fica meio arredondado. cada pedaço da casa fica macio.
você sabe. lá vem outra noite daquelas.
tudo bem. se não existe nem céu nem inferno, só sobrou um lugar, certo?
o lado de dentro.
querida não sei do que você está falando, mas sei do que você está falando...e a gente tá viva e estar viva é assim carregamos as dores, as alegrias, as derrotas, os desespero, tudo junto que vai se arrastando junto com a nossa existência, a gente até que guarda, esconde os sentimentos, mas existem dias que são inevitáveis, temos recordar e enfrentar e quando passa estamos mais fortes e vivas. Um beijo, saudades dessa cabeça maluca e inteligente que é a sua.
ResponderExcluirFlavia boy
e dentro é um lugar infinitamente desconhecido e intrigante....
ResponderExcluiruma correção : "ninguém encontra nada debaixo do cobertor"... as vezes encontra um peido perdido, adormecido e defumado te esperando debaixo do cobertor e vc nem lembrava que dtinha dado... aí o jeito é voltar para a superfície e respirar, e 'continuar a nadar'...
MÃE...
ResponderExcluirSão três letras apenas,
As desse nome bendito:
Três letrinhas, nada mais...
E nelas cabe o infinito
E palavra tão pequena- confessam mesmo os ateus-
És do tamanho do céu
E apenas menor do que Deus!