sábado, 27 de abril de 2019

and ignite your bones

talvez se eu parar agora para sentir totalmente a tristeza e botar tudo para fora eu não perca mais um pedaço de uma boa noite de sono tentando negar a dor.
talvez eu deva colocar os potes reaproveitados com as farinhas, ervas, açúcares (os permitidos) em cima do armário, ainda que não fique tão bonito, mas fique mais funcional.
talvez eu deva reler eclesiastes, ainda que tenha finalmente me assumido umbandista.
talvez eu deva ouvir fix you e, finalmente, sentir euforia ao invés de tristeza pq, finally, lights will guide you home.
talvez um dia eu perca essa mania de ignorar a dor, fingir que ela não existe, só pra ver ela explodir depois bem no meio da minha cara.
talvez eu deva parar de concentrar tanta energia em ser forte e deva me concentrar um pouco em me permitir.
fui repor aula hoje. voltei pra casa imaginando reações diferentes às dores que já vivi. não as dores inevitáveis, mas aquelas que,
talvez,
a gente possa escolher viver.
é abril.
meu abril é despedaçado há 23  anos.
meu abril sempre vai ser despedaçado.
pq algumas dores são inevitáveis.
o que dá pra evitar é me bater. sim, eu não posso beber em abril. eu exagero, eu me anestesio.
mas se eu bebo: foda-se. é a minha dor. e ao menos eu, essa pessoa finalmente fodona, empoderada e que se ama, posso me perdoar.
eu perdi a conta de quantas vezes sentei no chão do quarto nos últimos anos e prometi pra mim que seria a última vez que eu sofreria por causa do meu pai, da minha mãe,
da minha irmã.
talvez eu deva aceitar que nunca vai ter uma última vez.
então. hoje, quando eu voltava do trabalho, imaginava que tive uma reação completamente diferente quando o rodrigo ficou com a mariana.
eu me imaginei nunca mais falando com nenhum dos dois, mantendo a dignidade, estilo pitty só não desonre o meu nome.
me imaginei usando a dor pra correr. pra escrever meu livro. pra me cuidar como eu sei fazer agora.
me imaginei usando a dor pra construir e não pra me auto-destruir.
é desse tipo de dor que falo quando falo de escolhas.
mas eu sei que não é tão simples nem tão somente uma questão de escolher.
cada escolha tem uma história que vem antes e cada dor também.
e eu queria ser amada por um homem, desse jeito romântico aí. na época, eu ainda queria.
depois passei anos sem querer.
agora eu quero de novo. mas não por qualquer homem. quero ser amada pelo homem que eu amo.
o que é impossível.
então,
essa dor,
dessa vez,
eu estou escolhendo viver de outro jeito.
tô correndo. trabalhando. não tô escrevendo meu livro pq mal tô conseguindo escrever esse post (parece que sufocar amor faz mal pro meu estilo).
mas eu não paralisei.
amor não correspondido é um cu. dói.
não tô falando que tá fácil.
e nem era sobre isso que eu queria escrever.
e tô escrevendo mas tô pensando que preciso:
corrigir provas,
fazer sgp,
chorar muito,
sair pra correr,
tomar café com leite (de soja),
assistir grey's anatomy.
vou parar pq isso aqui tá péssimo.
mas principalmente pq preciso chorar tudo pra fora.



sábado, 9 de dezembro de 2017

aos 19

quando eu tinha 19 anos, fiz amigas incríveis.
nos conhecemos um pouco antes de eu completar 19. mas a amizade se consolidou, definitivamente, aos 19.
por causa de uma coisinha que, na época, era minúscula. e estava dentro de mim.
tudo bem que esse não foi o único motivo. com elas eu me sentia incrível, divertida, invencível. com elas, eu me senti feliz como nunca tinha me sentido antes. como se eu pudesse ser amada, apesar de todas as nossas diferenças.
e eu fui.
quando a coisinha minúscula começou a crescer, minha avó falou: vc tá grávida. eu ainda achava que não, mas como a vó tinha fama de sempre acertar. fiz o exame. batata. bea tava aqui dentro.
lembro da eva, pelo telefone, desesperada. vc tá grávida? e vc me diz isso com essa calma? o que vc vai fazer?
nada, por enquanto. quando ela nascer a gente vê.
contei pra maísa num dia em que estávamos dentro do ônibus. ela aos 16, os olhos arregalados, a pergunta tantas vezes repetida: e agora?
mas contei primeiro pro caco. ele tinha 11 anos e ia ser tio pela primeira vez. o ricota dizia que não queria ser tio, assustado pela experiência recente da tia maga que teve que adotar 3 sobrinhos (nós, no caso).
a gravidez foi incrível. eu tinha pessoas fantásticas ao meu lado. engordei que nem uma porca, andei que nem uma pata, a pele era uma plantação de perebas e eu, uma fábrica de gases ambulante. o ponto alto dos gases foi quando um arroto veio inesperado, forte e eu não consegui segurar. bem na cara do zé. corpaço.
dormia muito, dormia como nunca dormi. dormia com a eva no sofá do c.a. até a hora da aula. comia como se não houvesse amanhã. o sexo então, maravilha, nada como os hormônios da gravidez e a ausência de medo de engravidar. meu pé cresceu tanto que tive que comprar uma sandália 3 números maior que o meu, e só ela me cabia.
na gravidez eu fui livre, eu fui eu mesma, eu não tive medo de nada.
na primeira vez que minha barriga mexeu forte, eu estava na sala de aula sentada ao lado da xumiga, ela com uma cara espantada vendo as ondulações que a minha barriga fazia.
dá pra dizer que todo mundo da feusp viveu a gravidez junto comigo. do paraná até meus alunos do pea.
daí ela veio. a bolsa estourou bem no dia em que eu estava dormindo na cama do caco eu eu pensei, véi, fudeu, mijei na cama e o thiago vai me matar. foi o tempo de me ligar que não era xixi, sentir as contrações e correr para o hospital.
bea nasceu menos de 3 hs depois de eu perceber o que tava acontecendo. às 6h39 do da 24/01/98.
o parto foi incrível. foi cesárea. eu não senti tudo dentro de mim rasgar, não foi aquela coisa mística do parto normal, mas foi extraordinário pq a conclusão foi a mesma. eu finalmente ia ver a cara daquele alien que passou tanto dentro da minha barriga.
quando voltei para o quarto, a eva estava lá. foi o pimeiro rosto que eu vi quando voltei do parto.
tem tanta, tanta coisa. 19 anos é muita estrada andada. e hoje bea faz 19, a mesma idade que eu tinha quando  ganhei meu melhor presente, minha melhor amiga. quando eu não fiz nenhum plano confiando que eu seria a melhor mãe que pudesse, sem nem saber como faria isso. tivemos nossas dificuldades, muitos momentos em que a mãe foi ela. e tudo bem, pq nós duas já tínhamos entendido que mãe é gente, não super-heroína.
hoje ela faz 19 anos. e nem me importa o que ela realizou. mas o que ela é, putaqueopariu, é demais.

(post escrito em 24/01/2017)





sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

"toda pessoa é sempre as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas" (despedida)

quando tô triste, como.
hoje comi pão de queijo, café, café com leite, mais café, mais café com leite, pão de batata com requeijão, trio do burguer king (com cebola), 3 bisnagas, um pacote de oreo, um sanduíche de salame com maionese e agora, pra fechar, farinha láctea. são só 16:43.
quando tô feliz, como normalmente. faz tempo. ou talvez não faça tanto tempo, mas são espaçados.
hj eu tenho razão de estar triste. pq anteontem a elizete me ligou a noite querendo saber se eu tinha notícias da maria rosa, e poucas noites antes a glória tinha ligado fazendo a mesma pergunta. disse para as duas que estava tudo bem. que tinha falado com ela. que ela tinha dito que teve um baixa de resistência, mas que poderíamos vê-la quando ela estivesse melhor.
só que eu estava errada e a rosa também. ontem na hora do almoço, a glória ligou e só de ver o número eu sabia o que era. e depois quando atendi, ela só chorava.
por um tempo, eu só chorei. daí me distraí com palhaçadas, piadas me distraem facilmente.
mas hoje de madrugada a realidade teria que ser encarada.
que realidade?
uma mulher que nunca disse uma palavra maldosa sobre qualquer pessoa.
que sempre tinha uma coisa bonita pra dizer.
que percebia os dias de baixa auto-estima e sacava um "vc é tão maravilhosa". mentira. ela dizia isso pra mim todos os dias.
que foi exemplo de verdade em todos os dias da vida.
uma professora competente e amorosa, com uma paciência infinita.
(juro que não é aquela síndrome do "morreu, virou maravilha")
partiu.
partiu.
e eu, estúpida, burra, mesmo conhecendo na pele as implicações de um câncer no fígado (vide mamãe), me atrevi a ter esperança. o contrário do que sempre dizia para os outros fazerem. minha vontade da rosa era tão grande que eu fui incapaz de imaginá-la inexistindo.
"vocês eram colegas de trabalhos?"
"vocês eram próximas?"
"ah, é ruim quando um colega de profissão falece".
pára gente. vcs estão falando da minha rosa (perdoem a possessividade). uma mulher que eu amo absurdamente e que tenho certeza (como tenho a respeito de muito poucas pessoas), me ama também na mesma medida.
eu sei de tudo.
de tudo que as pessoas podem dizer.
eu já ouvi antes todas as palavras de consolo e também já as proferi. e posso garantir que não há consolo.
eu sei tbm que não passa nunca (se alguém conseguiu, abençoado seja). não passa, mas melhora.
queria dizer para os filhos dela que essa dor absurda, que torce o peito e tira o ar e parece que a gente morre junto, melhora. diminui. diminui até a gente quase esquecer. mas não se iludam, é só quase.
eu ainda não consigo acreditar que a maria rosa não existe mais.

quando a minha mãe morreu escolhi "canção da américa" como sendo a nossa.
sinto, mãe, mas agora vc vai dividi-la com a rosa.

"amigo é coisa para se guardar
debaixo de sete chaves
dentro do coração
assim falava a canção que na América ouvi
mas quem cantava chorou
ao ver o seu amigo partir
mas quem ficou, no pensamento voou
com seu canto que o outro lembrou
e quem voou, no pensamento ficou
com a lembrança que o outro cantou
amigo é coisa para se guardar
no lado esquerdo do peito
mesmo que o tempo e a distância digam "não"
mesmo esquecendo a canção
o que importa é ouvir
a voz que vem do coração
pois seja o que vier, venha o que vier
qualquer dia, amigo, eu volto
a te encontrar
qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar"

a gente dividiu almoço ao sol no ibirapuera; dividimos a angústia de uma atribuição que não fazíamos ideia de como fazer; dividimos carros sumidos, carros batidos; dividimos marmitas de macarrão com brocóli, dividimos uns 700 dias inteiros. vi a mayara e o vinicius crescerem, ela viu a bea crescer, vibrou comigo quando meus irmãos passaram na usp. acompanhei o pai dela partindo. me xingou e ficou de mal pq pedi remoção. tomou café da manhã comigo.
senti seus braços finos ao redor do meu pescoço algumas vezes nos últimos meses, com vários "eu te amo" trocados.
hj dei um beijo na testa da minha amiga pela última vez, e já tenho saudade.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

eu vou é cuidar mais de mim

eu era fogo. mesmo. desde o começo, pensava muito em sexo. sempre gostei, até demais e isso sempre consumiu muita energia. sexo, amor, homens, casos, namoros, paixões. energia que eu poderia ter direcionado para coisas mais produtivas, sinceramente.
mas a gente é criada para um ideal romântico, né? e ainda que no meu caso, eu não tenha sido criada exatamente para a coisa do conto de fadas, do príncipe se casando com a princesa no final, eu decididamente aprendi ao longo da vida que não é possível viver e ser feliz sem um par romântico. ainda que os exemplos ao meu redor gritassem, berrassem que não era possível ser feliz COM um par romântico.
(estou falando de exemplos familiares)
onde foi o pulo do gato? perceber justamente isso. que as pessoas não eram felizes com o raio do par romântico. gerava angústia, ciúmes terríveis, falta de liberdade, dores, traições. dor, dor, dor. o tal do amor não vai bem, na minha humilde opinião. acredito piamente que o modo como tratamos as relações amorosas está grotescamente equivocado.
olha eu aqui: alguns poucos namoros (3), outros poucos casos (1), muitas ficadas (incontáveis).sem felicidade. anos intercalando alguns momentos de alegria e prazer com muitos de angústia. e nenhuma paz.
em algum ponto que não sei bem qual foi, decidi celibatar. não foi assim, consciente, ao menos não a princípio.
deprimi (blábláblá que vcs estão cansados de ler) e engordei. talvez eu tivesse engordado mesmo sem deprimir. acho provável. eu gosto pra porra de comer pra porra. engordando, senti vergonha de tirar a roupa. a gorda gordofóbica. daí pra não dar em cima de ninguém e não dar atenção para quem desse em cima de mim, foi um pulo.
passei 3 anos sem trepar e sem elaborar o motivo. só não era uma angústia. até era um pouco, as vezes, meio que por cobrança minha de "como pode ficar assim tanto tempo". daí, dei. e dei gorda. e daí a gordofóbica saiu e para os outros gordofóbicos, conto com prazer que foi tão bom trepar gorda quanto trepar magra. tirou a nóia toda da minha cabeça e percebi o que eu já sabia pq valia para mim em relação aos caras gordos ( o preconceito era do pior tipo - "autopreconceito"): era prazeroso do mesmo jeito.
ok, agora deixamos de lado a questão da insegurança com o corpo. continuei sem querer trepar depois e lá vou eu novamente alcançando a marca de um ano. e qual o motivo?
estou chata. exigente. não, mentira. acho apenas que existem algumas restrições, ou alguns defeitos que não estou disposta a tolerar, tipo: machismo.
estava conversando com bea, e a pessoa, do alto de seus 17 anos, me sai com essa: "não vou ficar com ele. não vou ficar com um cara que trata as mulheres como objetos" (achei muito inteligente da parte dela). ela se referia a um menino com o hábito de trair todas as mulheres com quem se relacionava.
pá. tapa na cara. eu, com meus 37, desejando exatamente um tipo que ela, tão cedo, já tinha descoberto que não compensa.
não to falando de relacionamento aberto, poliamor. estou falando do tipo que se coloca num relacionamento sério e faz o fiel, mas... preciso completar? estou falando do tipo desonesto. do tipo que trata mulheres como objetos.
mas não é só desse tipo de machismo que estou falando. falo tbm daquele que diz pro filho "pára de se comportar como mulherzinha". daquele que não compartilha a criação dos filhos, achando que é função apenas da mulher. daquele que chega em casa depois de um dia de trabalho, ele e a mulher, e exige que a mulher faça o jantar. sozinha.
não aguento. não suporto. não tenho paciência, não quero educar.
percebem o meu problema? pq são poucos, bem poucos. e ademais, a culpa não é só deles, pq olha só.
descobri que se não trepo/não me apaixono/não me envolvo, fico mais equilibrada. direciono minha energia para coisas mais importantes. fico em paz. fico feliz, mais feliz do que estive em qualquer relacionamento amoroso. QUALQUER UM DELES.
eu sei, eu sei, alguns vão dizer que não se pode ser feliz sozinho. que estou abrindo mão do amor, do toque, da pele.
lamento muito, mas acho realmente que a limitada não sou eu.
limitados são aqueles que não respeitam a diferença e que acham que apenas seu modo de pensar/sentir é o correto.
tem muita coisa na vida, gente. muitos jeitos diferentes de se encarar o amor.
estou gostando muito de mim desapaixonada (romanticamente falando). nesse momento, meu amor maior é o próprio.

minha mãe, minha filha, minha irmã, minha menina

é que ser mãe não me consumia. a gravidez não me consumiu.
fui mãe quase sozinha. digo, de amigas engravidando juntas, felizmente, pq não é recomendado que todo mundo engravide aos 19. teve a mônica, mãe até antes de mim, mas a verdade é que nossas preocupações eram outras. gravidez e maternidade, contrariando todas as expectativas, não me causava sofrimento.
ninguém teve filhos comigo. não havia comparações. nunca tive que ouvir, "fulana amamentou tanto tempo, sicrana não teve cesárea, vc viu a filha da beltrana como caga bonitinho?".
também não havia internet, redes sociais, grupos de mães, essa militância toda. não é que eu ache a militância desnecessária. é que acho que causa mais ansiedade, num período da vida em que os hormônios já estão todos briguentos. ouço os relatos, de tanta gente, e não consigo curtir. parece que o apoio acaba virando cobrança, comparação, competição. "ah, mas a minha buceta esticou taaaanto, vc não viu? a sua não?". isso gera um sentimento de inferioridade, gente. e francamente, não preciso ter a minha buceta diminuída por ninguém.
há uns meses ouvi uma crítica e percebi que era pra mim só depois de um tempo, e prefiro não contextualizar. pq não quero competir e percebi, bem assustada, que a outra mãe estava competindo comigo! mesmo com uma imensa distância de idade entre nossas filhas, parecia que todo o trabalho que minha filha não me deu, era motivo de stress pra ela, por não ser igual.
me senti estranha. como se tivesse que me desculpar, pq:
1) meu parto foi fácil, e foi cesárea, e minha recuperação foi excelente (não é uma apologia às cesáreas).
2) minha filha começou a dormir a noite toda com apenas 3 meses.
3) não me sinto culpada por ter amamentado pouco e não sinto sequer a necessidade de me explicar por isso.
4) a largada da fralda, da chupeta e da mamadeira foi tranquilíssima. posso até perder uns minutos e explicar que não houve nenhuma ansiedade da minha parte, que não segui nenhum manual de como ser mãe e que foi tudo no tempo dela.
5) sim, dei chupeta e mamadeira sem culpa.
6) sim, dei açúcar (!) e doces em geral (!!) também sem culpa. era uma outra época. talvez hoje eu não desse. ou talvez eu desse, sem exageros, como fiz na época.
7) não, minha filha não fez birra. não se jogou no chão do shopping ou do restaurante, não gritou comigo ou me bateu, não me desobedeceu ou me desrespeitou.
7.1) pelamordedeus, gente. claro que ela fez tudo isso! pq toda criança vai testar os limites e não precisa nem ser pedagoga pra saber disso. o que a pedagoga aqui fez foi manter o não todas as vezes que disse e ser bem firme sem ser violenta em todas as vezes que isso aconteceu. ainda assim, a frase que atemorizava a bea era "quando chegar em casa a gente conversa". pq quando chegava em casa a gente conversava mesmo. eu não deixava de lado por estar cansada ou com preguiça.
7.2) então, sim, ela fez tudo isso, mas não era recorrente. sinto muito que ela não tenha me dado tanto trabalho quanto as outras crianças dão para as mães e sinto mais ainda se isso incomoda, afinal, ninguém aqui tá disputando medalha.
8) levei minha filha pra botecos e festas. de novo, não sinto nenhuma culpa e nenhuma vontade de me explicar.
talvez vc esteja se perguntando se eu não sinto  nenhuma culpa. como assim, uma mãe sem culpa?
mas eu sinto. é leve pq não foi escolha (apesar de ter gente que pense que sim). quando eu fiquei doente, deprimidíssima, a gente inverteu os papéis. e com 11 anos, bea foi a mãe e eu a filha. e ela me alimentou, me deu banho, cuidou da casa, segurou a minha mão até que eu conseguisse dormir. eu não queria que ela tivesse passado por isso.
hoje eu estava lendo um livro em que a personagem principal teve depressão, e ela relatava que ninguém, por mais que a amasse foi capaz de compreender a doença. meu primeiro impulso foi pensar que eu também. daí lembrei da minha filha, que não só compreendeu tudo que eu sentia, como conseguiu até entender o suicídio, saindo da perspectiva egoísta do "mas e todos que te amam?". sim, eu tenho um puta orgulho dela.
tem outra coisa também que vai além dos princípios e da fase da vida: a bea é fácil. não quero dizer que ela é fácil de controlar, um miquinho amestrado, ou que é simplória, ou obtusa. não, ela é tranquila. nunca entendeu o impulso de um filho responder pra uma mãe (o que é mais do que eu mereço, pq nesse sentido eu era o demônio com a minha), não deu trabalho na escola, nas relações... não faz fofoca, é compreensiva. não, nada de santa. é personalidade, acho, essa coisa tão subjetiva, e é também resultado de uma relação de muito respeito.
afinal, a vida é mais fácil quando as mães entendem que os filhos são pessoas, não propriedade. que são livres para se expressar, pra fazer suas escolhas, e que o resultado dessas coisas não são ofensas pessoais para seus pais. e me orgulho de entender que minha filha, apesar do pronome possessivo, não é minha. ela é livre, ela é dela, seu corpo, suas escolhas, suas batalhas. não são minhas. quem vai ter que desenrolar é ela.
expliquei o que podia,e disse todos os "nãos" necessários e jamais infundados. como a bea mesma diz, "não pergunte nada pra minha mãe que vc não tem certeza se quer saber, pq ela vai responder".
tenho orgulho da nossa relação se basear na verdade, na confiança e nunca liguei pra quem pensa o contrário.
pq por aqui, a coisa vai muito bem, obrigada, desde que somos só nós. há mais de dez anos.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

mixtape

Um curtinha da Bea:

[Mixtape]

Bea Sena
  
               
            - A parte mais difícil de escrever uma história é definitivamente o começo. – Fernando disse, apoiando-se no balcão de madeira da loja. Madalena soprou uma mecha de cabelo que insistia em cair sobre seus olhos, lançando-lhe um olhar que não disfarçava o julgamento.
            - No seu caso a parte mais difícil de escrever uma história é que você não escreve. – falou, ainda sentada no chão em frente a prateleira de CDs cuidadosamente intitulada “Rock Melódico dos anos 80”. – Você é bom com música, mas sobre o que você escreveria? Você não faz nada. – concluiu levantando-se e colocando uma pilha de CDs diante do rapaz. Fernando arqueou uma sobrancelha.
            - Você fala demais. – resmungou.
            - É sério. – Madalena insistiu. – Você é um cara de vinte e dois anos com a rotina de um de cinquenta, você levanta, toma um café preto, percebe que está atrasado apesar de ser óbvio, vem para cá, faz o que você sabe fazer e então... Vai pra casa. E só.
            - Não é .
            - Ficar em casa encarando a tela do computador esperando por alguma ideia brilhante não é bem o que chamo de aventura. – ela rebateu. Fernando lançou-lhe um olhar de desgosto.
            - São quarenta e dois e noventa e sete.
            - E eventualmente tem uma mixtape na sua porta e você nem tenta descobrir de onde vieram! – ela continuou, lhe passando o cartão do banco.
            - A música é boa, por que eu iria estragar isso com a pessoa que colocou elas lá? Débito ou crédito?
            - Débito. Você nunca vai escrever nada decente se não souber porcaria nenhuma sobre a vida. E não quero estragar, mas você só vai aprender vivendo.
            - Como uma garota de dezesseis anos que gasta a mesada inteira se enfiando em uma loja de CDs toda quarta virou minha guru espiritual? – Fernando ironizou enquanto a garota digitava a senha do cartão. Madalena bufou,  lançando-lhe um olhar cansado.
            - É exatamente o que estou tentando dizer. Sua vida é deprimente. E eu não venho toda quarta.
            - Vem sim. Eu sei porque eu estou aqui todo dia. – ele reclamou, vendo a garota mostrar-lhe a língua infantilmente e acenar, saindo da loja. Fernando olhou ao redor, analisando as várias prateleiras brancas repletas de CDs e LPs cuidadosamente separados nos subtipos mais minuciosos de música, cobrirem as paredes pretas. A loja era pequena, bonita e logo fadada à morte, afinal o mundo havia mudado. Mas o rapaz não tinha coragem de contar aquilo ao dono da loja – seu tio – por vários motivos. O primeiro era que seu tio era velho e alimentava um amor sincero por aquela loja, e as camadas de pó que insistiam em se formar nas prateleiras não mais permitiam a presença de seu apaixonado dono e sua rinite. O segundo motivo era que Madalena tinha razão.
            Vinte e dois anos e nenhuma história para contar. Nenhuma namorada que houvesse destruído sua vida, nenhum cachorro que comera seu vídeo game favorito, nem sequer histórias de faculdade – ele havia largado o curso de administração rápido demais para isso. Apenas um tio excêntrico, sua loja de CDs e LPs e uma história cujo começo era mudado toda noite.
*
            Saiu do elevador com as chaves na mão e a sacola do supermercado em outra, a garrafa de vinho em evidência como se tentasse denunciá-lo. Estava já com o pé na metade do caminho quando notou um pequeno volume no tapete, quase caindo ao jogar o pé na outra direção para não pisar na fita.
            Colocou a sacola no chão, levantando o tapete e encontrando a esperada mixtape, reinando entre as camadas de pó.
            - Eu deveria varrer essa porcaria. – o rapaz falou pegando a fita. Ele falava aquilo toda semana.
            Entrou na casa tropeçando na correspondência escorregada para o hall de entrada por debaixo da porta, suspirando ao reparar que a maior parte dela era para a vizinha do apartamento ao lado, cuja correspondência ia para o apartamento vizinho quase sempre desde que se mudara. Fernando saiu rapidamente e empurrou a correspondência por debaixo da porta da moça, se perguntando vagamente como poderia nunca ter prestado atenção nela à ponto de não conseguir se lembrar de seu rosto.
            Colocou a mixtape para tocar no rádio da sala, um aparelho que até ele assumia ser uma velharia com os dias contados. A fita começou a tocar enquanto ele organizava as compras na cozinha, e ele imediatamente sorriu ao reconhecer Angie, dos Rolling Stones. Acompanhou a música entretido, se assustando ao vê-la se repetir. Caminhou até o rádio e retirou a fita, verificando a parte de trás, onde geralmente a pessoa que as enviava colocava a lista das canções. E ali estava Angie, solitária.
            Fernando franziu as sobrancelhas, brincando com a fita na mão. Não entendia o objetivo de enviar uma fita com só uma música. Mas também não entendia porque enviar fitas com músicas à um estranho.
            Foi até seu quarto, indo diretamente até seu criado-mudo, onde as três primeiras fitas aguardavam. A primeira era de um mês antes, e a capa tinha sido pintada de vermelho. A curta lista de músicas brilhava em uma tinta branca com glitter:
Please Please Me, The Beatles
O Tempo Não Para, Cazuza
R U Mine, Arctic Monkeys
A segunda, de duas semanas antes, parecia ter sido feita às pressas. A capa não havia sido pintada, e exibia o nome da marca da fita assim como exibia a lista feita com caligrafia apressada em uma caneta azul comum:
Friday I’m In Love, The Cure
Asleep, The Smiths
Valerie, Amy Winehouse
Open Arms, Journey
Roxanne, The Police
E finalmente a terceira, pintada de preto, voltava a ter o mesmo cuidado da primeira. A lista novamente brilhava devido à caneta com glitter, dessa vez vermelha:
A Team, Ed Sheeran
Boys Don’t Cry, The Cure
Radioactive, Imagine Dragons
A Certain Romance, Arctic Monkeys
            Fernando continuou encarando as fitas em suas mãos, confuso. Sentia como se algo devesse estar óbvio e sua mente perturbada se recusasse a enxergar a resposta. Continuava jogando-as de uma mão para outro como se seus dedos pudessem compreender melhor que seus olhos. Então finalmente percebeu. Please Please Me, O Tempo Não Para, R U Mine. P, O, R. E Friday I’m In Love, Asleep, Valerie, Open Arms, Roxanne. F, A, V, O, R. “Por favor”. As fitas estavam formando uma mensagem.
            “Por favor abra a...”
            - Mas que m... – murmurou sozinho, deixando as fitas caírem no chão.

*
            - Você acaba de me deixar interessada pela sua vida. Estou chocada.
            - Cale a boca, Madalena. – Fernando resmungou, reorganizando a sessão “Origens do Samba”.
            - Só falta uma palavra... – ela murmurou  ignorando-o, pensativa. Arqueou uma sobrancelha. – Já faz uma semana que descobriu isso? Como é possível que não esteja surtando com isso?
            - Calmantes. – ele falou com simplicidade, olhando-a seriamente. Madalena fez uma careta.
            - Eu nunca sei quando você está falando sério ou brincando, mas quer saber? Eu não vou perguntar.
        - A última palavra não interessa até eu saber de onde a fita vem, isso é maluquice. – Fernando falou. – Tem que ser um dos meus vizinhos.
            - Poderia ser qualquer um do prédio.
            - Qualquer um do prédio é meu vizinho.
            - Você é muito rude, cara. – a garota reclamou, soprando uma mecha do cabelo. Foi até o balcão e pegou uma caneta e um bloco de notas. – Eu vou deixar meu número, porque quando essa fita aparecer, eu quero ser avisada.
            - E por que eu faria isso?
            - Porque se eu nunca mais dormir na vida você vai se sentir culpado.
            - Eu não acho. – ele falou indo até ela. Madalena franziu o nariz.
            - Apenas ligue. – disse. – Ou eu nunca mais compro nada.
            E foi embora. Fernando não pode deixar de rir da garota, nem de si mesmo quando pegou o número e o guardou no bolso. As horas pareceram se arrastar até ele poder ir para casa, mas, com o passar do tempo, aquilo ia se tornando rotina. Não havia nenhum outro jeito extremamente metódico de arrumar aquela loja. Seu único hobbie estava morrendo.
            Só percebeu que seu coração estava acelerado ao entrar no elevador, notando que esperava encontrar a fita mais uma vez. Sempre havia uma fita quando ele via Madalena, porque ele sempre via Madalena no mesmo dia da semana. Saiu do elevador afobado, quase não acreditando quando viu a elevação no tapete. A mixtape realmente estava ali.
            Pegou a fita, se segurando para não checar a lista de músicas antes de qualquer coisa. Gostava da surpresa ao escutar a música e, apesar do mistério, devia manter alguma parte de sua dignidade viva. Colocou a fita no bolso e abriu a porta, se deparando com uma carta no chão, o nome Luísa em destaque no papel. Pegou a carta e fez o mesmo ritual de sempre, logo entrando na própria casa e colocando a fita no rádio, ansioso.
            E Patience do Guns N’ Roses começou a tocar, parecendo encher a sala. Fernando ligou o computador, repentinamente certo de que podia escrever o começo da história pela última vez aquela noite. Se distraiu tanto que não notou as músicas passarem e, quando se levantou para pegar uma xícara de café ao som de A Hard Day’s Night dos Beatles, a fita acabou. Sentiu seu coração falhar uma batida e parou abruptamente na porta da cozinha. Pareceu levar horas para girar em seus calcanhares e tirar a fita do rádio, lendo a lista cuidadosamente escrita com uma caneta preta no papel bege:
Patience, Guns N’ Roses
Our Day Will Come, Amy Winehouse
Rainy Days and Mondays, The Carpenters
Toxicity, System Of A Down
A Hard Day’s Night, The Beatles
Porta. “Por favor, abra a porta”. Fernando encarou a fita, boquiaberto, e olhou por cima do ombro para a porta de entrada.
Respirou fundo e caminhou até a porta, vendo sua mão trêmula segurar a maçaneta. Abriu a porta, sentindo todo o ar ser roubado de seu pulmão ao ver sua vizinha parada sobre o tapete com um meio sorriso no rosto. Ela desviou o olhar, tirando uma mecha do cabelo negro curto da frente do olho cor de mel. Estendeu-lhe uma carta:
- Me entregaram sua correspondência.




sábado, 17 de outubro de 2015

frescura é o teu cu

minha avó, outro dia:
"quando vc perdeu sua mãe, vc ficou mal, mas vc ficou bem. mas quando vc perdeu seu pai, vc chegou no fundo do poço".
foi quase isso. pq o fundo do poço veio depois.
sabe aquela frase clichê que vive circulando pelas redes sociais?
péra, bateu uma ausência agora. e esqueci a frase.
o nome disso é efeito colateral.
já volto nessa parte.
eu perdi um monte de gente. uma irmã, um pai, uma mãe, um filho, dois avôs, um amigo. me perdoem se eu estiver  esquecendo alguém. mas com quase 40, a gente começa a não lembrar mesmo de todo mundo que já morreu. e no meu caso, parei de usar tbm eufemismos. partiu, se foi. não. morreu é a palavra. não existe nenhuma delicadeza nisso, nem faleceu me serve mais.
tbm me vitimizei um monte. tentem entender um pouco. quando a maioria esmagadora das pessoas ao redor tem todo o núcleo bonitinho, e vc é a única que sobrou do seu inicial (pq tive outro depois), não dá pra ser assim tão superior. "pq, Deeeeeuuuus, justo comigo?" é uma pergunta muito comum.
vamos voltar à colocação da avó.
meu pai se suicidou lentamente. depressão, ao que parece, é uma coisa genética. ele tinha insônia, minha avó insônia e depressão, eu idem (como vcs estão exaustos de saber). não sei sobre minha bisavó, mãe dessa minha avó da qual herdei todas as manias, mas sei que ela trepava muito (como escrevi antes, estou sem paciência para delicadezas). pq na minha cabeça, só se faz 8 filhos, quiçá mais, trepando pra cacete.
quantas digressões. meu foco hj parece pior que nunca.
enfim, fiquei pior com a morte do meu pai do que com a morte da minha mãe por dois motivos: 1) a do meu pai foi escolha e 2) a gente sempre teve uma relação não-relação complicadíssima.
a morte dele eu entendi como desamor. eu já tinha entendido, depois de uma filha de 8 anos na época, que pai e mãe não tem que ser super heróis. mas dado todo o nosso histórico, eu me senti um grande cocô, o grande monte de merda, nome carinhoso pelo qual minha outra avó passou a infância me chamando. eu não era boa o suficiente para ele querer ficar vivo por mim. o grande umbigo aqui demorou a entender que o problema era dele com ele, não comigo. tem dores que são grandes demais e suportá-las exige muita coragem e força. ele não teve.
desenvolvi depressão, pânico, ansiedade, dependência de substâncias químicas. e enquanto isso, fazia de conta que tudo corria bem. eu destroçava cada pedaço de mim: minha aparência, meu corpo, meu relacionamento com as pessoas que amava, meu trabalho, minha cabeça. bebia para me divertir, misturava com psicotrópicos, fazia merda, sentia ressaca moral e depois repetia todo o processo.
fiz terapia, fui à cartomante, caí no samba, beijei muito.
e desde então tenho vivido ciclos.
me recuperei. piorei de novo. melhorei, piorei, melhorei, piorei... e toda vez que melhoro, acho que vai ser a vez definitiva.
ano passado, comecei a ficar ruim de novo, depois de dois anos relativamente bem. digo relativamente pq passar dois anos sem fazer sexo não os torna exatamente excelentes. como diz aquele comercial da clínica pra homens, sexo é vida.
bem, ano passado. primeiro a insônia voltou. depois, aquela força diária para levantar da cama. vc pode achar que "ah, puta frescura, todo mundo tem dificuldade de levantar principalmente se for muito cedo". mas não é isso. é quase incapacitante. é medo do dia. é dor. é pânico de alguma merda vá dar novamente errado e não, vc não qr levantar para ver isso acontecer.
insônia, dificuldade em levantar. descontrole emocional. ah, os gritos, as brigas exageradas por motivos pequenos, vc sabe a vergonha que é lidar com isso depois que passa?
dificuldade de sorrir. falta de vontade de ver as pessoas. de sair de casa.
eu vi que, se quisesse sobreviver aos dois cargos, precisaria de novo de um psiquiatra. e pela primeira vez, antes que a coisa chegasse ao limite e eu fosse parar de novo num p.s. psiquiátrico, busquei ajuda.
queria um milagre, confesso. lembrei dos primeiros tempos de fluoxetina em que ela, sozinha, conseguia me fazer dormir e levantar cantando no dia seguinte. de quando tomei escitalopram e ele não fodeu com o meu cérebro, e imovane e ele me fazia dormir sem perder as energias no dia seguinte. até mesmo o amado e odiado rivotril eu desejei, pra esquecer abençoadamente por algumas horas o resto do mundo.
não aconteceu nada disso. aconteceu um psiquiatra que me atendia por 10 minutos, que nunca soube nada da minha vida e apenas me medicou. e cada vez que eu voltava dizendo que não estava funcionando, ele aumentava a dose ou trocava por uma medicação mais cara. em média, R$600,00 mensais só com remédios contra a depressão e insônia.
eu piorei. dormia, mas dormia bêbada de remédios, falando besteiras para os outros pelo celular. acordava todo dia rezando para não ter tocado no telefone ou no computador. levantava, mas só eu sei o esforço que isso custava. era uma sucessão sem fim de "vc precisa levantar, taís", que invariavelmente resultava em atraso. não levantei muitas vezes. tenho 18 faltas completas no trabalho por causa disso e algumas faltas-hora.
parei de falar com as pessoas. sorria no trabalho, mas eu sabia que eram sorrisos forçados, e eu me esforçava pq gosto de pessoas. todos os dias, a caminho da escola, ia ouvindo "tá escrito" no celular. sabe, a música brega? "erga a sua cabeça, meta o pé e vai na fé/ mande essa tristeza embora/ pode acreditar, um novo dia vai raiar/ sua hora vai chegar".
a porra do novo dia não raiava nunca.
parei de sair aos finais de semana, de ver a família. só queria ficar na minha cabeça, sem mexer um músculo do rosto.
vc acha que era questão de vontade? vai tomar bem no meio do olho do seu cu, seu/sua filh@ da put@. cansei desse papo de "é só querer".
fui parando de comer. perdi quase 15 quilos, e se por um lado foi bom pq eu estava com 100 quilos, eu sei que não foi saudável.
eu já falei das dores no corpo? eu tinha dor em tudo, há 6 anos. sim, começou em 2009, quando o evento conhecido como O Grande Pé Na Bunda aconteceu. eu já tinha recebido um diagnóstico de fibromialgia, mas as vezes a gente simplesmente não quer acreditar que tem uma coisa que não tem cura.
as dores esse ano pioraram. o trajeto, as horas em pé, as horas de trabalho e de trajeto foram me abatendo mais.
os remédios, cada vez piores.
os efeitos colaterais começaram a surgir. uma tremedeira frenética, que dificultava levar o garfo à boca. tonturas que me faziam esquecer quem eu era. ausência total e absoluta de criatividade, eu não conseguia escrever, não conseguia preparar aulas.
o pior dia foi o que me tranquei no banheiro da escola, com uma baita diarreia. eu queria deitar no chão e chorar, queria não sair de lá nunca mais, queria gritar socorro e implorar que alguém me ajudasse, que fizesse toda aquela dor parar.
mas a vida tem jeitos misteriosos de agir. num dia especialmente doloroso, minha assistente de direção da escola da manhã me levou à sala dela e orou por mim. não é a minha fé, mas ela insistia que a fé dela me curaria. eu, que achava que estava disfarçando bem, estava era disfarçando bem mal.
na mesma semana, cansadas de me ver morta-viva, minhas colegas de trabalho da tarde me arrastaram para um centro. era dia de tratamento médico, e a cética aqui passou por uma cirurgia espiritual. pq eu faria qualquer coisa, até tomar meu próprio mijo pra fazer aquilo passar.
ter gente olhando por mim sem me julgar me fortaleceu. um pouco. o suficiente para eu perceber que o psiquiatra não estava rolando e começar a procurar outros tratamentos.
fui num homeopata. a cética aqui, de novo, resolveu acreditar em bolinhas de açúcar. já que estava acreditando, ia acreditar que tudo é possível e pronto. mas não foi assim. o homeopata me receitou alguns químicos e me ajudou a tirar os psicotrópicos aos poucos.
fui na reumatologista e na proctologista. juntas, uma complementando o diagnóstico e os exames da outra, perceberam que eu estava mais carente do que apenas sexualmente (que era o que eu achava): intestino irritável levou a perda de vitaminas e cálcio, que levou às dores e à depressão, que levou de volta ao intestino irritável... um círculo. e círculos são infinitos, a serpente nunca pára de comer a própria cauda.
e os psiquiatras e psicólogos pelos quais passei nunca desconfiaram dessas coisas pq eu tinha, emocionalmente, todos os motivos do mundo para estar arrasada. no fundo do poço. cortando os pulsos, e isso não é força de expressão. vc já teve seu coração disparado o tempo todo? sabe o que é um angústia que além de esmagar seu peito faz sem estômago doer e, de novo, não são eufemismos?
eu estava assim o tempo todo.
daí, comecei a tomar vitamina d e cálcio e florais. comecei a meditar todos os dias. dentro da minha crença na vida e numa bondade cósmica, comecei a orar. o homeopata fez o impensável: me deu plantinhas para dormir e a receita de um tarjado para que eu sentisse segurança. confesso que a síndrome de abstinência foi de foder com a vida, mas até ela passou. a crise, não a vida.
faz quase 3 meses. tenho dias de mau humor, como todo ser humano normal e escroto. mas são poucos. durmo. levanto. vejo minha família. aos poucos, revejo os amigos. sorrio todos os dias e ouço qualquer música. até voltei a cantar e cozinhar e fazer exercícios físicos, ainda que comedidamente.
meu coração não dispara mais e nem meu peito está esmagado. meu estômago arriscou uma dor, mas foi infecção mesmo. passou.
hoje fui ao samba. fiquei com medo de dar para trás, não ir, mas fui. não sambei. ainda tenho medo. mas ouvi as músicas. e isso me fez feliz.
ontem fui à praia. entrei no mar e encarei as ondas, de tamanhos diversos, de frente e com coragem. caí, ralei o joelho, ri muito. desci a serra com o cu na mão, mas enfrentei  o medo. na estrada, caminho de volta, até consegui quase chegar ao limite de velocidade.
estou sóbria, de álcool, há dois meses. de remédios, acho que há uns 10 dias. e nesses dias, não fiz nenhuma besteira.
faz pouco tempo... mas a gente sempre acha que a última batalha vencida contra a depressão será a última.
torce aí. quem sabe é essa.