minha avó, outro dia:
"quando vc perdeu sua mãe, vc ficou mal, mas vc ficou bem. mas quando vc perdeu seu pai, vc chegou no fundo do poço".
foi quase isso. pq o fundo do poço veio depois.
sabe aquela frase clichê que vive circulando pelas redes sociais?
péra, bateu uma ausência agora. e esqueci a frase.
o nome disso é efeito colateral.
já volto nessa parte.
eu perdi um monte de gente. uma irmã, um pai, uma mãe, um filho, dois avôs, um amigo. me perdoem se eu estiver esquecendo alguém. mas com quase 40, a gente começa a não lembrar mesmo de todo mundo que já morreu. e no meu caso, parei de usar tbm eufemismos. partiu, se foi. não. morreu é a palavra. não existe nenhuma delicadeza nisso, nem faleceu me serve mais.
tbm me vitimizei um monte. tentem entender um pouco. quando a maioria esmagadora das pessoas ao redor tem todo o núcleo bonitinho, e vc é a única que sobrou do seu inicial (pq tive outro depois), não dá pra ser assim tão superior. "pq, Deeeeeuuuus, justo comigo?" é uma pergunta muito comum.
vamos voltar à colocação da avó.
meu pai se suicidou lentamente. depressão, ao que parece, é uma coisa genética. ele tinha insônia, minha avó insônia e depressão, eu idem (como vcs estão exaustos de saber). não sei sobre minha bisavó, mãe dessa minha avó da qual herdei todas as manias, mas sei que ela trepava muito (como escrevi antes, estou sem paciência para delicadezas). pq na minha cabeça, só se faz 8 filhos, quiçá mais, trepando pra cacete.
quantas digressões. meu foco hj parece pior que nunca.
enfim, fiquei pior com a morte do meu pai do que com a morte da minha mãe por dois motivos: 1) a do meu pai foi escolha e 2) a gente sempre teve uma relação não-relação complicadíssima.
a morte dele eu entendi como desamor. eu já tinha entendido, depois de uma filha de 8 anos na época, que pai e mãe não tem que ser super heróis. mas dado todo o nosso histórico, eu me senti um grande cocô, o grande monte de merda, nome carinhoso pelo qual minha outra avó passou a infância me chamando. eu não era boa o suficiente para ele querer ficar vivo por mim. o grande umbigo aqui demorou a entender que o problema era dele com ele, não comigo. tem dores que são grandes demais e suportá-las exige muita coragem e força. ele não teve.
desenvolvi depressão, pânico, ansiedade, dependência de substâncias químicas. e enquanto isso, fazia de conta que tudo corria bem. eu destroçava cada pedaço de mim: minha aparência, meu corpo, meu relacionamento com as pessoas que amava, meu trabalho, minha cabeça. bebia para me divertir, misturava com psicotrópicos, fazia merda, sentia ressaca moral e depois repetia todo o processo.
fiz terapia, fui à cartomante, caí no samba, beijei muito.
e desde então tenho vivido ciclos.
me recuperei. piorei de novo. melhorei, piorei, melhorei, piorei... e toda vez que melhoro, acho que vai ser a vez definitiva.
ano passado, comecei a ficar ruim de novo, depois de dois anos relativamente bem. digo relativamente pq passar dois anos sem fazer sexo não os torna exatamente excelentes. como diz aquele comercial da clínica pra homens, sexo é vida.
bem, ano passado. primeiro a insônia voltou. depois, aquela força diária para levantar da cama. vc pode achar que "ah, puta frescura, todo mundo tem dificuldade de levantar principalmente se for muito cedo". mas não é isso. é quase incapacitante. é medo do dia. é dor. é pânico de alguma merda vá dar novamente errado e não, vc não qr levantar para ver isso acontecer.
insônia, dificuldade em levantar. descontrole emocional. ah, os gritos, as brigas exageradas por motivos pequenos, vc sabe a vergonha que é lidar com isso depois que passa?
dificuldade de sorrir. falta de vontade de ver as pessoas. de sair de casa.
eu vi que, se quisesse sobreviver aos dois cargos, precisaria de novo de um psiquiatra. e pela primeira vez, antes que a coisa chegasse ao limite e eu fosse parar de novo num p.s. psiquiátrico, busquei ajuda.
queria um milagre, confesso. lembrei dos primeiros tempos de fluoxetina em que ela, sozinha, conseguia me fazer dormir e levantar cantando no dia seguinte. de quando tomei escitalopram e ele não fodeu com o meu cérebro, e imovane e ele me fazia dormir sem perder as energias no dia seguinte. até mesmo o amado e odiado rivotril eu desejei, pra esquecer abençoadamente por algumas horas o resto do mundo.
não aconteceu nada disso. aconteceu um psiquiatra que me atendia por 10 minutos, que nunca soube nada da minha vida e apenas me medicou. e cada vez que eu voltava dizendo que não estava funcionando, ele aumentava a dose ou trocava por uma medicação mais cara. em média, R$600,00 mensais só com remédios contra a depressão e insônia.
eu piorei. dormia, mas dormia bêbada de remédios, falando besteiras para os outros pelo celular. acordava todo dia rezando para não ter tocado no telefone ou no computador. levantava, mas só eu sei o esforço que isso custava. era uma sucessão sem fim de "vc precisa levantar, taís", que invariavelmente resultava em atraso. não levantei muitas vezes. tenho 18 faltas completas no trabalho por causa disso e algumas faltas-hora.
parei de falar com as pessoas. sorria no trabalho, mas eu sabia que eram sorrisos forçados, e eu me esforçava pq gosto de pessoas. todos os dias, a caminho da escola, ia ouvindo "tá escrito" no celular. sabe, a música brega? "erga a sua cabeça, meta o pé e vai na fé/ mande essa tristeza embora/ pode acreditar, um novo dia vai raiar/ sua hora vai chegar".
a porra do novo dia não raiava nunca.
parei de sair aos finais de semana, de ver a família. só queria ficar na minha cabeça, sem mexer um músculo do rosto.
vc acha que era questão de vontade? vai tomar bem no meio do olho do seu cu, seu/sua filh@ da put@. cansei desse papo de "é só querer".
fui parando de comer. perdi quase 15 quilos, e se por um lado foi bom pq eu estava com 100 quilos, eu sei que não foi saudável.
eu já falei das dores no corpo? eu tinha dor em tudo, há 6 anos. sim, começou em 2009, quando o evento conhecido como O Grande Pé Na Bunda aconteceu. eu já tinha recebido um diagnóstico de fibromialgia, mas as vezes a gente simplesmente não quer acreditar que tem uma coisa que não tem cura.
as dores esse ano pioraram. o trajeto, as horas em pé, as horas de trabalho e de trajeto foram me abatendo mais.
os remédios, cada vez piores.
os efeitos colaterais começaram a surgir. uma tremedeira frenética, que dificultava levar o garfo à boca. tonturas que me faziam esquecer quem eu era. ausência total e absoluta de criatividade, eu não conseguia escrever, não conseguia preparar aulas.
o pior dia foi o que me tranquei no banheiro da escola, com uma baita diarreia. eu queria deitar no chão e chorar, queria não sair de lá nunca mais, queria gritar socorro e implorar que alguém me ajudasse, que fizesse toda aquela dor parar.
mas a vida tem jeitos misteriosos de agir. num dia especialmente doloroso, minha assistente de direção da escola da manhã me levou à sala dela e orou por mim. não é a minha fé, mas ela insistia que a fé dela me curaria. eu, que achava que estava disfarçando bem, estava era disfarçando bem mal.
na mesma semana, cansadas de me ver morta-viva, minhas colegas de trabalho da tarde me arrastaram para um centro. era dia de tratamento médico, e a cética aqui passou por uma cirurgia espiritual. pq eu faria qualquer coisa, até tomar meu próprio mijo pra fazer aquilo passar.
ter gente olhando por mim sem me julgar me fortaleceu. um pouco. o suficiente para eu perceber que o psiquiatra não estava rolando e começar a procurar outros tratamentos.
fui num homeopata. a cética aqui, de novo, resolveu acreditar em bolinhas de açúcar. já que estava acreditando, ia acreditar que tudo é possível e pronto. mas não foi assim. o homeopata me receitou alguns químicos e me ajudou a tirar os psicotrópicos aos poucos.
fui na reumatologista e na proctologista. juntas, uma complementando o diagnóstico e os exames da outra, perceberam que eu estava mais carente do que apenas sexualmente (que era o que eu achava): intestino irritável levou a perda de vitaminas e cálcio, que levou às dores e à depressão, que levou de volta ao intestino irritável... um círculo. e círculos são infinitos, a serpente nunca pára de comer a própria cauda.
e os psiquiatras e psicólogos pelos quais passei nunca desconfiaram dessas coisas pq eu tinha, emocionalmente, todos os motivos do mundo para estar arrasada. no fundo do poço. cortando os pulsos, e isso não é força de expressão. vc já teve seu coração disparado o tempo todo? sabe o que é um angústia que além de esmagar seu peito faz sem estômago doer e, de novo, não são eufemismos?
eu estava assim o tempo todo.
daí, comecei a tomar vitamina d e cálcio e florais. comecei a meditar todos os dias. dentro da minha crença na vida e numa bondade cósmica, comecei a orar. o homeopata fez o impensável: me deu plantinhas para dormir e a receita de um tarjado para que eu sentisse segurança. confesso que a síndrome de abstinência foi de foder com a vida, mas até ela passou. a crise, não a vida.
faz quase 3 meses. tenho dias de mau humor, como todo ser humano normal e escroto. mas são poucos. durmo. levanto. vejo minha família. aos poucos, revejo os amigos. sorrio todos os dias e ouço qualquer música. até voltei a cantar e cozinhar e fazer exercícios físicos, ainda que comedidamente.
meu coração não dispara mais e nem meu peito está esmagado. meu estômago arriscou uma dor, mas foi infecção mesmo. passou.
hoje fui ao samba. fiquei com medo de dar para trás, não ir, mas fui. não sambei. ainda tenho medo. mas ouvi as músicas. e isso me fez feliz.
ontem fui à praia. entrei no mar e encarei as ondas, de tamanhos diversos, de frente e com coragem. caí, ralei o joelho, ri muito. desci a serra com o cu na mão, mas enfrentei o medo. na estrada, caminho de volta, até consegui quase chegar ao limite de velocidade.
estou sóbria, de álcool, há dois meses. de remédios, acho que há uns 10 dias. e nesses dias, não fiz nenhuma besteira.
faz pouco tempo... mas a gente sempre acha que a última batalha vencida contra a depressão será a última.
torce aí. quem sabe é essa.
Acho bom esse lance de exageros. Tristeza até o limite da exaustão física, alegria até a euforia de mijar nas calças. Alguns dias ficar em equilíbrio pra mudar a rotina. Se encontrar ainda que sem compreender acho que isso é o grande barato da vida. E a gente segue tentando, pela ciência, religião, cerveja, samba, amigos... Não entender nada é o grande barato de existir!
ResponderExcluirEscrevi "barato" 2 vezes. Isso prova que estou idosa!
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